Zema e a reparação em Brumadinho: quando o dinheiro da tragédia virou moeda política em Minas

O rompimento da barragem da Vale, em 25 de janeiro de 2019, matou 272 pessoas e deixou Brumadinho marcada para sempre. Seis anos depois, as famílias ainda lutam por reparação e dignidade. Enquanto isso, o Governo de Minas, sob comando de Romeu Zema, transformou o maior acordo de reparação socioambiental da história do país em instrumento de propaganda política e de distribuição de recursos em todo o Estado. Documentos oficiais, leis e relatórios revelam que, embora parte dos valores tenha sido destinada a Brumadinho, a maior fatia do dinheiro foi pulverizada, diluindo a centralidade da cidade mais atingida e criando efeitos políticos que extrapolam a Bacia do Paraopeba.
Em fevereiro de 2021, o Governo de Minas e as Instituições de Justiça assinaram com a Vale um acordo de R$ 37,68 bilhões. Deste total, R$ 11,06 bilhões foram liberados ainda em 2021, após a sanção da Lei 23.830 por Zema. Essa lei se tornou o marco da mudança de foco: R$ 1,5 bilhão foi repassado a todos os 853 municípios mineiros, inclusive cidades que nada sofreram com o rompimento da barragem. Belo Horizonte, por exemplo, recebeu cerca de R$ 50 milhões. O que nasceu como reparação à maior tragédia socioambiental do país virou, na prática, um programa de injeção de recursos com perfil estadual.
O Tribunal de Contas de Minas precisou intervir. Em fiscalização, encontrou centenas de divergências na execução municipal desses repasses. Embora parte das falhas tenha sido corrigida após cobranças, o alerta ficou registrado: ao pulverizar o dinheiro entre centenas de prefeituras, o governo reduziu o controle sobre recursos que deveriam estar diretamente ligados à reparação.
O portal oficial Pró-Brumadinho indica que R$ 4 bilhões do acordo foram reservados ao fortalecimento do serviço público nos 26 municípios atingidos. Desse montante, R$ 1,5 bilhão ficou exclusivamente para Brumadinho. Em 2024, o governo anunciou que R$ 730 milhões já estavam aprovados em dez projetos locais, entre obras e serviços de saúde. Em 2023, foram repassados R$ 2,5 milhões ao município para reforçar a assistência social. São números relevantes, mas que perdem força diante do volume bilionário espalhado pelo restante do Estado e do tamanho da tragédia que devastou nossa cidade.
Com verba do acordo, o governo lançou em 2024 um edital de R$ 1,7 bilhão em saneamento para os 26 municípios da Bacia do Paraopeba. Também anunciou duplicações e ampliações de rodovias em trechos da MG-060 e MG-431, além de obras em ligações viárias entre Brumadinho e cidades vizinhas. Apesar de necessárias em termos de infraestrutura, essas medidas diluem a essência da reparação: devolver dignidade e qualidade de vida à população que mais sofreu. O dinheiro da tragédia virou motor de obras regionais, muitas delas usadas como vitrine política.
Enquanto o governo exibe inaugurações, o cotidiano das famílias atingidas segue incerto. O Programa de Transferência de Renda (PTR), criado como medida emergencial, sofreu cortes em fevereiro de 2025, foi retomado por decisão judicial em março e agora será encerrado de forma antecipada, em outubro, conforme anúncio da FGV, gestora do programa. A notícia gerou protestos e mobilizações, já que para muitas famílias esse auxílio é a única forma de garantir o básico. O contraste é gritante: bilhões distribuídos em obras e repasses eleitorais, enquanto o sustento dos atingidos é tratado como descartável.
Em meio a essa realidade, Zema voltou a provocar indignação ao declarar, em 5 de setembro de 2025, durante inauguração da Mina de Capanema, que “a Vale hoje coloca a vida humana acima de tudo”. A frase, dita diante de centenas de vítimas ainda sem reparação, foi recebida como afronta pelos familiares de Brumadinho. Para quem perdeu pais, filhos e irmãos, ouvir o governador absolver a empresa em pleno palanque político escancara o distanciamento entre as autoridades e a dor que permanece. O discurso contrasta com a prática: a reparação foi usada como instrumento eleitoral, e as vítimas seguem invisíveis.
Brumadinho não precisava de marketing político, precisava de reparação integral. Mas o que se vê é a valorização de inaugurações e anúncios, enquanto cruzes, cicatrizes e um rio morto seguem lembrando o que aconteceu em 2019. O Paraopeba continua impróprio para uso, a saúde mental e física de centenas de atingidos segue abalada e as famílias ainda choram por justiça.
Os dados mostram que Zema transformou o dinheiro da tragédia em capital político. Ao distribuir recursos por todo o Estado, ampliou sua base de apoio com prefeitos e buscou se projetar como gestor eficiente. Mas, ao fazer isso, retirou de Brumadinho o protagonismo que deveria ser inquestionável. Usurpou o sentido original do acordo: reparar o dano de forma justa e prioritária onde ele aconteceu.
Brumadinho precisava estar no centro da reparação. Mas foi colocado na periferia de um projeto de alcance eleitoral. As famílias atingidas seguem contando com protestos e decisões judiciais para garantir direitos mínimos, enquanto a máquina do Estado comemora obras que pouco têm a ver com a dor vivida aqui. O governo Zema usou o dinheiro da maior tragédia socioambiental do Brasil como moeda política. E quem paga esse preço é a população de nossa cidade, que ainda espera por uma reparação verdadeira.
COMENTÁRIOS