João Mendes
DANDO NOME AOS BOIS - Um olhar sobre sofrimento, apego e sentido da vida,

Um corpo destreinado acompanha, por óbvio, uma mente frágil, entregue aos mais variados prazeres que, para os desavisados ou inexperientes, soa como divertimento útil e merecido. Por isso, quando li autobiografia de um Iogue, do mestre Yogananda, pude compreender, ao menos em partes, a origem duma miríade de sofrimentos e angústias sem rosto ou nome, nascidos justamente nessa entrega a prazeres pequenos, inconscientes e naturais de nossa perversidade. Nesse sentido, somos acostumados e treinados a sofrer, cultivar o sofrimento e, claro, importunar todos ao nosso redor com nosso desconforto existencial. Sofremos por não termos controle, ou por controlar demais. Sofremos por buscar o controle, ou perde-lo, nalgum momento da vida, em partes ou no todo. Sofremos por amar incorretamente, e não sermos amados de volta, ainda que saibamos, silenciosamente, a terra árida do coração alheio.
Sofremos enquanto buscamos uma posição política capaz de traduzir nossa desesperadora – e infrutífera – saga por controle, e então, confrontados ante a verdade dos fatos, percebemos o abismo entre vontade e realidade, e que o cômico efeito Dunning-Kruger é real.
Sofremos por projetar no outro o dever último de fazer aparecer, em nós mesmos, a alegria prometida por Deus na eternidade. Por isso, quando é dito ser o apego a origem de todo sofrimento (duhkha, no budismo tibetano), logo somos impelidos a construir uma imagem cômica, hollywoodiana, sobre alguém desapegado, ou em busca de santidade: um Francisco de Assis rasgando as próprias vestes e defenestrando. Um monge isolado no deserto. Uma freira carmelita rezando enclausurada, mas nunca, jamais, alguém mundano, acessível, tangível em seu drama existencial tal qual Sidartha, em Herman Hesse, ou o próprio Carlos Acutis.
Sobre isso, na vastidão das atitudes deletérias, na fila daquilo capaz de nos destruir e fragilizar, o desinteresse e apatia pelas coisas aparentemente simples é, sem margem de dúvida, a pior coisa a se fazer. Os santos enxergam o extraordinário em absolutamente tudo, e não esperam a chegada de um momento especial, nem mesmo a transposição dum estado de coisas para outro. O paraíso interior, portátil, flamejante, ardente em cada um de nós é o convite irreversível para buscarmos, projetando e extraindo uma cerimônia sagrada em cada ato do existir, entendendo isso não mais como uma figura de linguagem, como uma palavra solta tipo amor, razão, lógica, felicidade. Do contrário, vivenciando na mudança de atitude ao enxergar no outro – e extrair do outro – a grandiosidade de espírito que deve brotar em você. É o sim, eu te respeito na sua inteireza. Ou o estou pronto para te ouvir, ou eu me importo com você. Isso podemos controlar, e os sentimentos emergidos dessa verve de peso.
Também podemos treinar o afeto e o interesse e enxergar a grandiosidade do esforço humano em desenvolver toda e qualquer tecnologia estabilizada, nos dias de hoje, como item de consumo. Há milhões de pessoas, no decorrer de toda história humana, dedicando vidas e legados, e enredos completos para a concepção dos celulares banalizados hoje e, pasmem, e duvido muito eu ou você sermos capazes de fazer um do zero. O mesmo da medicina, da engenharia aeroespacial, dos carros, e de tudo o que se pode imaginar – ou não imaginar. Quem é apático sobre a grandiosidade de todas as coisas, feitas ou por fazer, naturais, sobrenaturais, humanas ou divinas, nunca terá controle sobre as próprias emoções, e menos ainda conhecerá, ainda que remotamente, o paraíso portátil referido por Yogananda.
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